Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro

Os adolescentes do Rio de Janeiro precisam de socorro… E é urgente!

Análise: Rosely Sichieri¹ e Danielle Monteiro Câmara²

Promover a saúde de adolescentes é imperativo: evitar gravidez não planejada, abuso de álcool, delinquência, acidentes de trânsito, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis requer políticas públicas. A necessidade de adolescentes se desenvolverem de forma plena e feliz deve ser uma ambição da sociedade. No Rio de Janeiro, políticas públicas se fazem ainda mais necessárias, como indicam os dados de pesquisas recentes.

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) foi realizada com escolares do 9º ano de escolas públicas e privadas de todo o país (IBGE, 2016). Os estudantes são entrevistados nas escolas e procura-se caracterizar tanto suas práticas quanto o ambiente escolar. Para vários indicadores dessa pesquisa, o Rio de Janeiro, estado e capital, apresenta resultados muito desfavoráveis, não se destacando positivamente em nenhum dos indicadores. Os dados mostram, como era de se esperar, que os pais residentes no Rio de Janeiro estão muito preocupados com seus filhos.

Os dados coletados em 2015 mostraram que no país há em geral uma preocupação grande quanto aos adolescentes, pois 66,6% destes responderam que os pais se preocupavam com seus problemas. Esse percentual foi similar para escolares das escolas privadas e das públicas. Na Região Sudeste, encontrou-se o maior percentual entre as regiões (67,4%), sendo que no conjunto dos municípios das capitais a proporção foi de 65,6%, sendo a maior (70,6%) para o Rio de Janeiro (gráfico 1).

Gráfico 1. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) para o Rio de Janeiro

Fonte: elaboração própria, com base em IBGE (2016).

Os pais têm muito motivos para se preocupar, e a cidade do Rio de Janeiro tem indicadores desfavoráveis que contribuem negativamente para a saúde dos adolescentes. Deve ser fator de preocupação dos gestores e pais o consumo de bebida alcoólica. A Região Sul apresentou o maior percentual de escolares que afirmaram consumir bebidas alcoólicas e os maiores percentuais de consumo ocorreram nos municípios das capitais: Porto Alegre (40,7%), seguido por Florianópolis (30,3%), Campo Grande (28,9%), Rio de Janeiro (27,5%) e Curitiba (27,4%). Note-se que mais de um quarto dos jovens entrevistados no município do Rio de Janeiro referiram consumo de bebidas alcoólicas. Como os demônios andam sempre juntos e as motivações para a não prevenção também, quando perguntados “Nos últimos 30 dias, quantas vezes você usou o cinto de segurança quando estava em um carro ou outro veículo motorizado dirigido por outra pessoa?”, 47% dos estudantes do estado do Rio de Janeiro responderam que nunca ou raramente usaram cinto de segurança, sendo a média nacional de 33,6%. Nesse quesito, o Distrito Federal apresentou o menor valor (23,6%), e o Rio de Janeiro, o maior. O estado do Rio também foi campeão no hábito de nunca ou raramente lavar as mãos antes de comer. No estado do Piauí, apenas 8,0% dos estudantes informaram nunca ou raramente lavar as mãos antes de comer. No extremo oposto, encontra-se o Rio de Janeiro, cuja proporção foi de 16,6%, sendo a média nacional de 12,7%.

A preocupação com o corpo, mais magro no caso das meninas, é também motivo de sofrimento para adolescentes. Os dados do Brasil mostram que 25% dos adolescentes têm excesso de peso, medido pela relação peso/altura. Na PeNSE de 2015, 18,3% dos escolares relataram serem gordos ou muito gordos, mas do total, 25,6% manifestaram o desejo de emagrecer. Observa-se que, entre as meninas, 21,8% declararam se considerar gordas ou muito gordas, mas quase um terço delas (30,3%) respondeu que queria perder peso. A Região Sul apresentou a proporção mais elevada de alunas do 9º ano do ensino fundamental que queriam emagrecer. Os maiores percentuais foram observados em Curitiba (40,3%), Florianópolis (38,7%) e Rio de Janeiro (38,1%). Mesmo manifestando um ideal de magreza, a alimentação é muito pobre em alimentos mais protetores para o ganho excessivo de peso, como frutas frescas e legumes. Tais alimentos são consumidos em cinco dias ou mais dias da semana por pouco mais de 30% dos estudantes.

Ideais de peso e estética rigorosos que, para muitos, podem ser inatingíveis, podem gerar ansiedade, sintomas depressivos e frustrações, que adicionalmente dificultam a adesão a uma alimentação adequada. Assim, a alimentação dos adolescentes, que no seu todo requer modificações para prevenção de doenças crônicas futuras e obesidade, deve lidar com um mal-estar psicossocial da dualidade entre consumo e corpo adequado, que tem impacto importante na relação saúde entre e alimentação e com o corpo desejado.

Assim como se constata para o Brasil como um todo, dados de outras pesquisas realizadas com escolares do município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, têm evidenciado uma prevalência crescente do excesso de peso. Os dados de escolares de Duque de Caxias, uma das regiões mais pobres do Rio de Janeiro, chamam a atenção pelo grande aumento dessa prevalência em curto espaço de tempo. Em escolas que foram selecionadas para estudos de intervenção (CUNHA et al., 2013), a prevalência de obesidade passou de 4,9% em 2005, para 9,2% em 2010 e 13,4% em 2016. Os dados da PeNSE de 2015 mostravam uma prevalência nacional de obesidade de 7,8%, e no Sudeste, de 8,3%.

Outro tópico avaliado na PeNSE de 2015 diz respeito à saúde mental dos estudantes. As questões referem-se a ansiedade, sono e preocupações em geral. Nos municípios das capitais, 12,5% dos estudantes relataram ter perdido o sono com grande frequência nos últimos 12 meses. Destaca-se a diferença entre meninos e meninas, sendo a proporção de meninas duas vezes maior do que a dos meninos (6,9%). O maior percentual de meninas que relataram insônia foi observado no Rio de Janeiro, com 19,1%. Não foram encontradas diferenças entre os percentuais de estudantes que perderam o sono devido a preocupações, comparando as escolas da rede pública com as da rede privada. Sabe-se que um fator de proteção para a saúde mental da população, incluindo os adolescentes, é a prática regular de atividade física. O Rio de Janeiro apresentou o quarto pior resultado em termos da oferta de duas ou mais aulas de Educação Física por semana pelas escolas – 19,2% –, sendo que em Santa Catarina foi de 87,2%.

Os indicadores mostram que nesse momento de transição, importante para a construção da subjetividade dos adolescentes, em que situações adversas marcarão de forma importante sua vida adulta, a escola deve ser o centro de prevenção global. Mais do que programas específicos para doenças, a escola deve ser o centro integrador de ações que permitam escolhas mais saudáveis, articulação de atividades físicas e desenvolvimento de motivações que, perdurando na vida adulta, tornem esses adolescentes menos vulneráveis a um desenvolvimento psicossocial inadequado, cuja ponta do iceberg é a delinquência. As escolas estão longe disso: na PeNSE de 2015, bullying no mês anterior à pesquisa foi referido por 19,8% dos escolares. E ainda, quando indagados sobre sua saúde em geral, 20% se autoavaliaram como tendo saúde regular e 8,8% ruim ou muito ruim.

Apesar da conhecida vulnerabilidade social de jovens moradores de comunidades para vários indicadores, escolas públicas e escolas privadas comportaram-se de forma similar, mostrando que adolescentes como um todo estão muito vulneráveis. A escola como foco de intervenção e prevenção deve-se repensar, a fim de promover um amadurecimento adequado desses adolescentes, associando a família e outros equipamentos da área de saúde nessa tarefa de educar os adolescentes para uma vida com menos riscos, menor sofrimento mental e mais felicidade.

Se olharmos para os subúrbios e comunidades do Rio de Janeiro, essas preocupações se agigantam: basta ver os números da mortalidade de crianças e jovens (matéria já contemplada aqui, na Página Grená).

Referências

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2015. Rio de janeiro: IBGE, 2016. 132 p. CUNHA, D. et al. Effectiveness of a randomized school-based intervention involving families and teachers to prevent excessive weight gain among adolescents in Brazil.PLoS One, v. 8, n. 2, p. e57498, 2013. doi: 10.1371/journal.pone.0057498.

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[1] Professora Titular, Departamento de Epidemiologia do IMS-UERJ.
[2] Mestranda na área de Ciências Humanas e Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do IMS-UERJ.

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