sábado, abril 20, 2024
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E se o Covid-19 chegar às prisões e instituições socioeducativas?

Texto de Flaviano QuaresmaIMS/UERJ

A esta pergunta, Anete Trajman, professora visitante sênior do Programa de PG em Clínica Médica e Mestrado Profissional em APS da UFRJ e professora adjunta da Universidade McGill, Montreal (Canadá), revela que tem muito medo do que vai ocorrer, “não apenas por conta da falta de assistência em 31% das unidades prisionais no Brasil, mas também pela superpopulação e o risco de todos se contaminarem”. Planos de contingência foram elaborados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), como a proibição de visitas (no caso das prisões) e a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que determinaram a internação provisória, notadamente em relação a adolescentes gestantes, internados provisoriamente e que estejam internados em unidades socioeducativas que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento (no caso das instituições socioeducativas). Confira as recomendações AQUI.

Em relação às unidades prisionais, seria o isolamento nas celas um meio de se proteger da pandemia? De acordo com o guia publicado pela Organização Mundial de Saúde em 15 de março de 2020, quatro dias depois dessa entidade ter considerado o novo coronavírus uma pandemia (WHO, 2020), além das condições de confinamento amplificarem as chances de transmissão da doença, elas também diminuem o acesso aos recursos disponíveis para se prevenir e inclusive tratar em caso de infecção. Em convergência com outros documentos desse organismo internacional, o grupo de trabalho em saúde prisional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade elaborou medidas e orientações para o enfrentamento da COVID-19 nas prisões em 25 de março de 2020 (Santos, Vasconcelos e Pereira Júnior, 2020), voltadas para profissionais de saúde e agentes de segurança inclusive.

Apoia-se essas medidas e orientações nacionais e internacionais, destacando três pontos centrais para garantir o direito à saúde das pessoas em situação de privação de liberdade:

1 – o aumento do acesso às ações e serviços de saúde não pode caminhar isolado da diminuição do risco de adquirir agravos e doenças quando o assunto é saúde penitenciária, de maneira que a permanência das pessoas em situação de privação de liberdade em locais que favorecem a transmissão de doenças infecto-contagiosas, como a COVID-19, não garante o direito à saúde desse segmento populacional;

2 – o contágio por coronavírus no cárcere não é um assunto exclusivo do Poder Executivo, seja em nível federal, estadual ou municipal, em seus setores de saúde, justiça e segurança, como também do próprio Poder Judiciário, já que a diminuição da superlotação e também do superencarceramento, através de medidas de desencarceramento e prisão domiciliar, pode proteger vidas nesse momento;

3 – a maioria dos mortos por COVID-19 são pessoas idosas, apontando para a necessidade de elaborar orientações voltadas para outras instituições além das prisões; se as prisões demandam a atenção dos agentes do Sistema Penitenciário e dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde, as Instituições de Longa Permanência para Idosos exigem que os profissionais do Sistema Único de Assistência Social se mobilizem urgentemente.

Martinho Silva, pesquisador e professor do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), defende a terceira medida destacada. De acordo com ele, há 25 anos, a epidemia de HIV/Aids suscitou as primeiras normativas federais no sentido de garantir o direito à saúde nas prisões, desdobrando-se no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, um pacto entre os setores saúde e justiça do governo federal. “A atual pandemia, envolvendo outra doença infecto-contagiosa, pode ser uma ocasião para que não só setores como também poderes pactuem em defesa da vida, como é o caso do Judiciário e Executivo”, ressaltou.

Fabio Mallart, pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Medicina Social, afirma que assim como acontece com a tuberculose, as próprias condições de existência aos quais são submetidos presos e presas são ideais para a disseminação do novo coronavírus, bem como para a impossibilidade de qualquer recuperação. Parafraseando Michel Foucault, Fabio disse que não devemos nos esquecer que todo o sistema penal está orientado para a morte. “Nesse sentido, o que gostaria de sublinhar é uma espécie de relação de continuidade entre a pena de prisão e a produção da morte. Todavia, é preciso levar em consideração que essa morte pode se dar de várias maneiras, ou seja, existem diferentes formas de matar. Por exemplo: há casos de execuções nas periferias, realizadas por grupos de extermínio, em que os matadores se valem de antecedentes criminais ou mesmo das tatuagens feitas no cárcere para decidir quem vive e quem morre. Nesse caso, observa-se como a própria passagem pela prisão é um critério mobilizado para aniquilar vidas. Certamente, a morte por doenças dentro do sistema carcerário também pode ser pensada como uma forma de matar. Em ambientes superlotados, com pouca circulação de ar, racionamento de água, alimentação de péssima qualidade, falta de produtos de higiene e limpeza, e precariedade dos serviços médicos, a proliferação de doenças assume contornos de um extermínio. Em 2017, apenas em São Paulo, dos 532 óbitos computados pela Secretaria de Administração Penitenciária, 484 foram classificados como “mortes naturais”. Com efeito, o cárcere é um espaço propício para doenças infecciosas que atacam órgãos respiratórios como, por exemplo, a tuberculose. Não é em vão que já há uma epidemia de tuberculose nas prisões, que afeta centenas de internos”, explica. Para o pesquisador, a chegada do Covid-19 às prisões tende a potencializar a produção da morte.

Entretanto, Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, durante coletiva realizada no dia 31 de março, no Palácio do Planalto, Brasília, comentou que “há ambiente de relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus, pela própria condição dos presos de estarem isolados”. Para Martinho Silva, o ministro não deve ter lido o documento da OMS a respeito do assunto. Por sua vez, Atila Iamarino, biólogo e pós-doutor em microbiologia, sinaliza que a prisão domiciliar pode ser uma alternativa e ressaltou, em entrevista no programa Roda Viva do dia 30 de março, que se o Covid-19 chegar às prisões, o número de infectados deverá ser alto, mas o de mortos não porque a maioria da população carcerária é jovem e o Covid-19 é letal, principalmente, para os idosos.

De acordo com Sergio Moro, há um caso de preso com Covid-19, em regime domiciliar, em Bagé (RS), que ainda fará exame de contraprova. Nas 1.412 unidades prisionais do país, atuam 7.344 profissionais de saúde e 83 mil servidores. O número de detentos é de 752 mil e há cerca de 15 mil em delegacias pelo Brasil.

Confira – COVID-19 Painel de Monitoramento dos Sistemas Prisionais no Brasil e no mundo

Confira – MEDIDAS E ORIENTAÇÕES PARA O ENFRENTAMENTO DA COVID–19 NAS PRISÕES – Grupo de Trabalho em Saúde Prisional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

Confira – Comunicado conjunto do Programa de Educación Universitaria en Prisiones | Programa Delito y Sociedad, Universidad Nacional del Litoral