sábado, julho 27, 2024
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Discrepância de mortes por covid-19 entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo: novo artigo da Página Grená

Vitor Barreto Paravidino
Doutor em Saúde Coletiva na área de concentração de Epidemiologia

Desde o início da pandemia de COVID-19, tem sido observado grandes diferenças nas taxas de mortalidade entre os estados da federação1. Até junho de 2021, o Rio de Janeiro apresentou a segunda maior taxa de mortalidade por COVID-191 e, mesmo levando em conta o padrão de distribuição das faixas etárias nas diferentes regiões, grandes diferenças ainda eram encontradas entre Rio de Janeiro e São Paulo2. Mesmo a população do estado de São Paulo sendo 2,5 vezes maior que a do estado do Rio de Janeiro, o número de casos notificados era cinco vezes superior, neste mesmo período.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, no ano de 2020, São Paulo ocupava a segunda posição no ranking nacional da renda domiciliar per capita (R$ 1.814), enquanto o Rio de Janeiro a quarta posição (R$ 1.723). Em relação ao emprego, a diferença na proporção da população empregada com mais de 16 anos no primeiro trimestre de 2021, entre os dois estados, foi de 4,5% (67,1% em São Paulo e 63,6% no Rio de Janeiro) 3. A diferença na proporção das famílias registradas no Cadastro Único não era diferente. Na cidade de São Paulo, 12,2% da população apresentava registro ativo, enquanto que no Rio de Janeiro a proporção era de 8,9% 4. Além disso, a região metropolitana de São Paulo tem mais leitos hospitalares (1,91 por mil habitantes) em comparação a região metropolitana do Rio (1,79 por mil habitantes) e maior cobertura da atenção básica (62.9% e 58.9%, respectivamente) em 2020 5.

Assim, observa-se que as diferenças econômicas de fato existem, mas, seriam insuficientes para justificar tamanha discrepância nos indicadores de mortalidade entre as duas maiores economias do país, sugerindo que outros fatores, além dos socioeconômicos e demográficos, estariam influenciando esses resultados.

Em um artigo recentemente publicado pela Revista Brasileira de Epidemiologia 6, os autores relatam a alta discrepância das mortes por covid-19 entre Rio de Janeiro e São Paulo e abordam possíveis fatores que estariam relacionados ao desempenho desses estados na condução da pandemia. Neste estudo, foram incluídos os adultos hospitalizados com diagnóstico de COVID-19 ou Síndrome Respiratória Aguda Grave não-especificada, registrados no banco de dados do SIVEP-Gripe, entre janeiro e dezembro de 2020. Foram 388.657 registros incluídos nas análises, sendo 91.532 no Rio de Janeiro e 297.125 em São Paulo.

Para todas as faixas etárias analisadas, a taxa de mortalidade bruta por COVID-19 foi maior no estado do Rio de Janeiro quando comparada com o estado de São Paulo, tanto nos hospitais públicos quanto nos privados. Entre 18 e 40 anos, nos hospitais privados, a mortalidade no Rio de Janeiro foi 2,9 vezes maior que aquela observada em São Paulo, e 2,1 vezes maior nos hospitais públicos. Para a faixa etária de 90 anos ou mais, os valores para os hospitais privados e públicos foram 1,6 e 1,4, respectivamente.

Levando em consideração outras variáveis no modelo estatístico, como, idade, sexo e comorbidades, os resultados foram semelhantes. O risco de mortalidade por COVID-19 no estado do Rio de Janeiro em geral é 2,51 vezes maior que no estado de São Paulo nos hospitais privados e 2,29 nos hospitais públicos. Nas capitais, o cenário é ainda pior. No setor privado, o Rio de Janeiro apresentou o triplo do risco de morte, quando comparado a São Paulo. Já no serviço público, o risco é 2,74 vezes maior no Rio de Janeiro. Até mesmo quando abordagens mais conservadoras foram realizadas para eliminar possíveis efeitos do componente “qualidade dos dados”, as diferenças entre os estados permaneciam as mesmas. Em outra análise, os autores compararam a mortalidade por covid-19 entre os pacientes internados no serviço público e no privado, dentro de cada estado, e observaram que o risco em hospitais públicos foi, aproximadamente, duas vezes maior que no setor privado, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo.

Neste período, uma grande desorganização e má gestão no sistema de saúde do Rio de Janeiro foram observadas. Para o pagamento de indenizações a 1500 agentes comunitários que trabalhavam no Instituto Iabas, o Tribunal Regional do Trabalho determinou o arresto de 38 milhões de reais das contas do município. Essa organização social ainda foi responsável por uma desastrosa administração dos hospitais de campanha e ainda esteve envolvida em escândalos de corrupção, juntamente com o Secretário de Saúde do Estado, à época. Posteriormente, o governador do estado do Rio de Janeiro sofreu impeachment, sob a acusação de crime de responsabilidade na gestão dos recursos da Secretaria de Estado de Saúde, durante a pandemia da covid-19.

Além dos graves problemas internos no Rio de Janeiro, parte da discrepância na mortalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo ainda pode ser explicada pela atuação negacionista do governo federal. Nunca houve um plano responsável para condução da pandemia, nem mesmo tentativas de articulação com estados e municípios. Observou-se, no entanto, até final de 2020, alinhamento político entre os governos estaduais e municipais do Rio de Janeiro com o governo federal, seguindo os passos e o despreparo para a condução da pandemia.

Portanto, mais que as diferenças socioeconômicas e demográficas existentes entre os dois estados, a pior governança no Rio Janeiro parece ter sido a maior responsável pelo excesso de mortes observado no estado.

Referências

1 – Coronavírus Brasil. Painel Coronavírus [Internet]. 2021 [acessado em 07 julho 2021]. Disponível em:

https://covid.saude.gov.br

2 – Azevedo e Silva G, Jardim BC, Lotufo PA. Mortalidade por COVID-19 padronizada por idade nas capitais das diferentes regiões do Brasil. Cad. Saúde Pública 2021; 37(6):e00039221. https://doi.org/10.1590/0102-311X00039221.

3 – IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE CIDADES, 2020 [internet]. 2020 [acessado em 16 julho 2021]. Disponível em:

https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/panorama

4 – Brasil. Ministério da Cidadania. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Relatórios de Informações Sociais [internet]. [acessado em 16 julho 2021]. Disponível em:

https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php?relatorio=153&file=entrada.

5 – Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Unidades Geográficas: BRASIL [Internet]. [acessado 15 julho 2021]. Disponível em:

https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml

6 – Paravidino VB, Sichieri R, Gomes DCK, Azevedo e Silva G. High discrepancies in the mortality of hospitalized patients with COVID-19 in the two most economically important states in Brazil. Rev. bras. Epidemiol. (in press).