sexta-feira, abril 26, 2024
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Por mais debate: sobre a convocação de greve geral em 28/4

Texto de Eduardo Faerstein*

Tenho conhecimentos superficiais sobre temas relacionados à previdência social e a relações trabalhistas, que motivam a greve geral convocada para o dia 28 próximo; portanto, consultei as páginas das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, que lideram a mobilização. Em ambas, verifiquei que a convocação restringe-se a um posicionamento contrário às propostas do atual governo federal. Não há menção a propostas de mudanças na previdência e nas leis trabalhistas — nenhuma agenda de reforma é apresentada.

Isso significaria que tais Frentes querem apenas manter o status quo nessas duas importantes dimensões da vida social brasileira? Não será essa postura um tanto conservadora? Não há mudanças a propor? Emendas a apoiar, e pressionar por elas? Não há controvérsias a explicitar, estimulando seu amplo debate na população? Apenas a título de exemplos, cito as aposentadorias mais precoces de determinadas categorias profissionais e das mulheres, e a contribuição sindical compulsória.

As aposentadorias precoces de professores e de categorias expostas a ambientes insalubres não representariam rendição à “monetização do risco” contra a qual se insurgiu G. Berlinguer e seus companheiros da reforma sanitária italiana, que tanto inspirou o movimento no Brasil? No caso das mulheres, há interessante debate que revela nuances (em contraste ao “contra vs. a favor” por demais simplista) envolvendo especialistas e feministas com reconhecida tradição de luta, por exemplo em http://oglobo.globo.com/economia/feministas-divergem-sobre-idade-minima-igual-para-aposentadoria-dehomens-mulheres-20956144.

Sobre a contribuição sindical compulsória, o sindicalismo combativo do final dos anos 1970 reivindicava sua abolição, por favorecer milhares de sindicatos de nula ou escassa representatividade. Por exemplo, cf: http://diganaoaoimposto.cut.org.br/apresentacao/, e http://ptnosenado.org.br/cut-lanca-campanha-contraimposto-sindical/. Trata-se de mais uma bandeira histórica abandonada?

Suponho que a falta de estímulo ao debate dessas (e de tantas outras) questões controversas por parte das Frentes deve-se a questões de “governabilidade” no âmbito das duas coalizões de partidos políticos e movimentos sociais, e talvez por considerações de ordem tática (a meu ver questionáveis) sobre a necessidade de foco exclusivo em barrar retrocessos em pauta. Imagino que intramuros haja muita diversidade de opiniões, mas isso nunca chega ao conjunto da cidadania, que em geral recebe o prato feito, sem acesso às receitas e ingredientes utilizados.

Por fim, mas não menos importante: se investigações isentas comprovarem as recentes delações premiadas no âmbito da Lava-Jato, ficará evidenciado que em grande parte o nosso clássico capitalismo de compadrio transfigurou-se gradualmente em capitalismo de comparsas. As indicações já são muito fortes, e tudo sugere que aumentarão substancialmente em futuro próximo. A crescente apropriação privada da coisa pública, associando projetos de poder econômico e político e/ou enriquecimento pessoal ilícito, teria ocorrido via ações criminosas em escala delirante, unindo oligopólios do mundo da economia a antigas e novas oligarquias do mundo da política, perpassando quase todo o espectro partidário e configurando verdadeira cleptocracia. Nos dias que correm, com a legitimidade do sistema político-partidário em escombros, como omitir o assunto em mobilização nacional dessa magnitude? O silêncio das Frentes a respeito causa perplexidade, visto que objetivamente implicará cumplicidade.

Em 25/04/2017

*Professor Associado do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da UERJ.