sexta-feira, abril 26, 2024
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Artigo da Página Grená: “Arquitetura de escolhas na promoção da alimentação saudável nas escolas”

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por Anna Beatriz Souza Antunes, Rafael Lavourinha Pinto, Diana Barbosa Cunha

Termo originado a partir do campo da economia comportamental, “arquitetura de escolhas” se refere à prática de influenciar a escolha “organizando o contexto em que as pessoas tomam decisões” (THALER; SUNSTEIN; BALZ, 2013). A arquitetura de escolhas considera que não existe uma arquitetura neutra para as opções e que os ambientes podem ser projetados de forma a induzir intencionalmente as decisões dos indivíduos. Intervenções baseadas em arquitetura de escolhas que não contenham restrições ou imposições, que não modifiquem aspectos financeiros e possuam baixo custo são também denominadas “nudges”

Ferramentas para arquitetura de escolhas incluem, por exemplo, a presença de opções padrão pré-definidas, como em formulários de doação de órgãos, quando a primeira escolha é a doação. Aplica-se também à disposição do leite em supermercados, que geralmente o colocam no fundo da loja. Exigindo-se assim que, para acessar o produto, o comprador percorra vários corredores com prateleiras, estimulando o consumo de outros itens. Outro exemplo é o modo de disposição de alimentos ou de acompanhamentos em restaurantes de fast-food em que a água fica pouco aparente ou mesmo não facilmente disponível. O efeito pretendido é o mesmo da disposição do leite em supermercados. Em síntese, a arquitetura de escolhas promove alterações de propriedades (no desenho, rótulo, apresentação ou entorno) ou de posicionamento (disponibilidade ou acesso) dos itens de interesse, promovendo seu consumo.

A arquitetura de escolhas envolve projetar um ambiente no qual as opções são apresentadas de maneira específica a fim de influenciar um indivíduo a fazer certa escolha. Assim, para promoção da alimentação saudável na infância, o refeitório escolar é um local conveniente para elaboração de intervenções, pois as características das refeições e do seu contexto são mais facilmente controladas, monitoradas e medidas. Os refeitórios escolares podem ser estruturados de forma a utilizar os princípios da arquitetura de escolhas, tornando os alimentos saudáveis mais convenientes e os menos saudáveis menos convenientes, além de definir padrões mais saudáveis.

No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) prevê a oferta de uma alimentação escolar nutricionalmente adequada a todos os escolares matriculados na rede pública de educação básica, de acordo com a faixa etária e o período de permanência na unidade de ensino (BRASIL, 2009). Entre suas diretrizes, estão previstas a oferta de frutas e hortaliças e restrições acerca da compra de alimentos de baixa qualidade nutricional e/ou alimentos com elevado grau de processamento (BRASIL, 2020). Entretanto, os dados da última edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), conduzida em 2015 com escolares do 9o ano de escolas brasileiras públicas e privadas, mostraram que apenas 31,3 % dos alunos consumiam a alimentação escolar ao menos três vezes por semana (IBGE, 2016, 2019). Sendo assim, o PNAE é um programa promissor para aplicação de intervenções baseadas em arquitetura de escolhas.  

Abordagens já utilizadas em refeitórios escolares compreendem o uso de recipientes atraentes, porções pré-cortadas e elaboração de nomes criativos para os alimentos saudáveis (QUINN et al., 2018; MARCANO-OLIVIER et al., 2019a), além de alterações no posicionamento dos alimentos e sinalizações de incentivo ao consumo, como cartazes, rótulos e etiquetas (MARCANO-OLIVIER et al., 2019a). As abordagens chamam a atenção por serem de baixo custo, favorecendo sua utilização para promoção da alimentação escolar saudável inclusive em contextos de menor renda.  

Em termos de sua efetividade, revisões sistemáticas observaram que os nudges que se mostraram efetivos para a promoção do consumo alimentar saudável em refeitórios escolares incluíam o uso de pôsteres atraentes de frutas e legumes; alterações no posicionamento dos alimentos nos balcões de distribuição do tipo buffet, com os alimentos mais saudáveis apresentados primeiro e os não-saudáveis por último ou sendo oferecidos separadamente (MARCANO-OLIVIER et al., 2019b). Adicionalmente, mostraram-se mais efetivas intervenções onde houve o aumento da variedade, conveniência e atratividade dos alimentos saudáveis.

Entretanto, a maioria dos estudos analisados até o momento avaliou apenas a seleção dos alimentos saudáveis e não o seu consumo. Foram conduzidos em países de alta renda e utilizaram instrumentos não validados em suas medidas, bem como desenhos que não contaram com um grupo de comparação (MARCANO-OLIVIER et al., 2019b). 

Neste cenário, a arquitetura de escolhas pode ser uma ferramenta de fato efetiva para promover a alimentação saudável em âmbito escolar. Porém, ainda há uma lacuna na literatura a respeito da sua efetividade em termos de estudos com metodologias mais robustas e evidências em demais contextos econômicos, como em países de média e baixa renda, como também de sua possível aplicação em políticas públicas nutricionais. 

Em 2019, estudo conduzido em um município do interior do estado do Rio de Janeiro com alunos do 4o ao 9o ano mostrou-se eficaz ao elevar a adesão e aceitabilidade dos escolares a partir de intervenções baseadas nos princípios da arquitetura de escolhas, com alterações nos refeitórios escolares e no modelo de distribuição das refeições, garantindo-se a autonomia de escolha pelos escolares.

Referências:

BRASIL. Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diário Oficial da União 2009, 19 Jun, 2009. 

BRASIL. Resolução FNDE no 06, de 08 de Maio de 2020. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diário Oficial da União, 12 de Mai, 2020. 

IBGE. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016. 

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Banco Multidimencional de Estatísticas (BME). Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar 2015 – Amostra 1. Disponível em: <https://www.bme.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 out. 2019. 

MARCANO-OLIVIER, M. et al. A low-cost Behavioural Nudge and choice architecture intervention targeting school lunches increases children’s consumption of fruit: A cluster randomised trial. International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, v. 16, n. 1, p. 20, 13 fev. 2019a. 

MARCANO-OLIVIER, M. et al. Using Nudges to Promote Healthy Food Choices in the School Dining Room: A Systematic Review of Previous Investigations. Journal of School Health, v. 90, n. 2, p. 143–157, 2019b. 

QUINN, E. L. et al. Effects of a behavioral bconomics intervention on food choice and food consumption in middle-cchool and high-school cafeterias. Preventing Chronic Disease, v. 15, p. 170377, 5 jul. 2018. 

THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R.; BALZ, J. P. Choice architecture. In: E. Shafir (Ed.). The behavioral foundations of public policy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2013. p. 428–439.