terça-feira, abril 16, 2024
Destaques

Enfrentamento à obesidade infantil: conheça o projeto coordenado pela professora Diana Cunha (IMS)

Professora Diana Cunha

Desde a Graduação, a professora Diana Cunha lida com o tema da obesidade infantil. A trajetória na Pós-Graduação aprofundou os estudos e, hoje, a pesquisadora coordena o projeto Intervenção familiar baseada na Dieta Planetária Saudável e atividade física para tratamento da obesidade infantil na atenção primária à saúde: um ensaio randomizado. Apoiado e financiado pelo edital Jovem Cientista do Nosso Estado, da Faperj, o estudo é o desdobramento de uma investigação começada em 2019. A renovação do projeto para o quadriênio 2023-2026 tomou um rumo metodológico distinto, conforme ela explica em entrevista destinada a apresentar e explicar a condução da pesquisa, seus métodos e achados, bem como a mostrar as contribuições à sociedade. 

IMS – Sua pesquisa baseia-se no chamado “Estudo Clínico Randomizado” (ECR). No que consiste o ECR e como é realizado?
Diana Cunha: O ensaio clínico randomizado é um tipo de estudo que envolve intervenção. O pesquisador não apenas observa o que acontece numa determinada população. De alguma forma, ele atua e interfere no dia a dia dos indivíduos pesquisados. Num estudo desse tipo, são definidos dois grupos: um grupo recebe a intervenção – daí ser chamado de grupo-intervenção -, recebendo um medicamento ou uma orientação (que é o caso da investigação que coordeno, em que os indivíduos receberam uma orientação nutricional); e o outro recebe um placebo ou uma intervenção já aplicada na literatura e conhecida em seus efeitos. Este último é o chamado grupo controle.

A palavra randomizado diz respeito à forma de escolha dos participantes: quem participa do grupo intervenção ou controle é selecionado ao acaso. A randomização busca construir grupos equilibrados em relação a suas características. Quando randomizamos, temos maiores chances de ter grupos parecidos em relação a todas as características, exceto quanto ao tratamento em estudo, e eliminar possíveis fatores de confusão. 

IMS – A pesquisa também se orienta na chamada Dieta Planetária Saudável. Qual a definição dela?
DC: A Dieta foi proposta recentemente por um grupo internacional, o EAT Lancet [ligado à revista científica The Lancet], e busca aliar sustentabilidade ambiental e alimentação saudável. É uma dieta que busca, no longo prazo, alinhar o consumo de uma população com a sustentabilidade ambiental da região onde essa população reside. Ela é baseada no consumo de grãos, verduras, hortaliças e oleaginosas e propõe a redução do consumo de carnes vermelhas. O objetivo é ter uma dieta equilibrada em termos nutricionais e sustentável no longo prazo. Não foi uma dieta planejada para a perda de peso. Nós decidimos usá-la e testar a eficácia na perda de peso em crianças.

IMS – O projeto dá prosseguimento à pesquisa iniciada em 2019. O que é possível afirmar passados três anos? A redução no consumo de alimentos ultraprocessados e calóricos, aliada à prática de exercício físico, é eficaz no tratamento da obesidade infantil?
DC: O estudo de 2019 foi realizado numa unidade, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE). Nosso objetivo também era fazer o tratamento da obesidade infantil, mas baseado no Guia Alimentar da População Brasileira, do Ministério da Saúde. Esse Guia tem outra abordagem, que se baseia no grau de processamento dos alimentos, e propõe que se reduza ou elimine os alimentos ultraprocessados – aqueles com muitos aditivos químicos e praticamente sem presença do alimento original. Costumamos fazer uma analogia com o abacaxi: o abacaxi in natura é um alimento minimamente processado; o abacaxi em calda, processado; já o pó do suco de abacaxi é ultraprocessado.

Na pesquisa de 2019, estávamos testando a eficácia de orientações baseadas no Guia para crianças obesas na perda de peso.

IMS – Também foi um estudo randomizado?
DC:
Sim. Fizemos um grupo intervenção, com orientações baseadas no Guia e com plano alimentar individualizado seguindo a Ingestão Diária Recomendada (IDR) de energia para crianças e adolescentes obesos. O grupo controle recebia as mesmas orientações baseadas no Guia, sem o cálculo de dieta. O Guia, por si só, já recomenda a substituição de alimentos ultraprocessados por minimamente processados ou in natura e sugere que isso está relacionado à melhora na qualidade da alimentação e consequentemente à perda de peso.

IMS – E o que vocês encontraram?
DC: O grupo intervenção teve uma redução no IMC (índice de massa corporal) ao longo do tempo. Já o grupo controle teve um aumento no IMC. Mas esse aumento é esperado na faixa etária, pois as crianças vão crescendo. Foi um aumento menor do que se esperaria para crianças da faixa etária. Apesar de não ter havido uma redução do ganho de peso, o aumento é menor. Ou seja, só o fato de se falar sobre qualidade da dieta com crianças já teve impacto. E, quando associamos com a redução calórica, esse impacto foi muito maior e importante. Esses foram os achados do estudo de 2019.

IMS – O que mudou para a continuidade do projeto a partir de 2023?
DC: Pretendemos continuar na linha de tratamento da obesidade infantil, mas abrangendo unidades básicas de saúde, na tentativa de aplicar a pesquisa nas realidades locais. Se possível – e isso vai depender da logística e de questões operacionais ainda em análise -, vamos tentar atuar nas residências, com uma abordagem familiar. E vamos nos basear na Dieta Planetária. Observamos a importância do Guia Alimentar, agora queremos testar os efeitos da Dieta Planetária. O escopo é maior, captando mais pessoas e mais centros.

IMS – Quantas crianças participaram na pesquisa de 2019? E qual a estimativa para a quantidade de crianças a partir de 2023?
DC: 101 crianças participaram do estudo em 2019 e, para 2023, temos um cálculo de tamanho amostral de 120 pares (criança e um responsável) em cada grupo (intervenção ou controle), totalizando 240 indivíduos.

IMS – Como foi a rotina de desenvolvimento da pesquisa?
DC:  Contamos com a participação de alunos de doutorado. A pesquisa de  2019, inclusive, deu origem a duas teses – de Joana Maia Brandão (acesse aqui) e Caroline Cortes (em andamento) -, tendo as autoras participado de todas as etapas da pesquisa. Na fase pré-coleta de dados, elaboramos os instrumentos de pesquisa e fizemos a inserção nos ensaios clínicos e nos comitês de ética. Durante a coleta, tivemos apoio muito grande da Divisão de Nutrição do Hupe, que nos cedeu um espaço para o atendimento das crianças. Também contamos com a brinquedista, que nos auxiliou no desenvolvimento de atividades lúdicas para interagir e intervir nas crianças. Junto com elas, fomos amadurecendo. A coleta de dados contou também com a participação de duas nutricionistas contratadas com os recursos do financiamento da Faperj. Tínhamos, assim, profissionais atuando no dia a dia dos atendimentos e na captação de questões e dados. A logística fluiu muito bem. 

Temos um artigo publicado referente ao protocolo da pesquisa e dois artigos com resultados da pesquisa em vias de publicação. E em breve sairá um manual de orientação para profissionais de saúde aplicarem o Guia em unidades de saúde que tratam a obesidade infantil.

A pesquisa é tocada por muitos braços. Alunos de iniciação científica ajudam na digitação dos dados, além de auxiliarem no atendimento. A equipe é importante.

IMS – E a pesquisa atual? Como está?
DC: Começamos o atendimento, aqui na UERJ mesmo. Estamos negociando com as unidades básicas de saúde nossa inserção. Aqui na UERJ, estamos em fase piloto, com quase 50 crianças já atendidas. É importante dizer que a professora Rosely Sichieri (IMS), que tem grande experiência com ECR, também participa e coordena a pesquisa. A logística é ter muitos braços.

IMS – Por que e como você chegou ao tema da obesidade infantil como objeto de pesquisa?
DC:
No meu TCC na graduação de Nutrição, na Unirio, eu já abordava o tema. Lá, eu participei de um grupo desde os primeiros períodos voltado à avaliação nutricional das crianças institucionalizadas num abrigo filantrópico. No abrigo, identificamos muitas crianças com obesidade. Meu trabalho de TCC avaliou o consumo alimentar das crianças desse abrigo. Sempre me interessei pelo tema do consumo alimentar em crianças. No doutorado, tive a oportunidade de trabalhar num projeto da professora Rosely Sichieri que estava começando e era voltado à prevenção da obesidade infantil em escolares. Trabalhei em campo, no desenvolvimento de protocolos e questionários, na digitação e na análise dos dados. Então, minha trajetória de pesquisa, desde o início, sempre esteve no campo da obesidade infantil. E continuo investigando nessa área, agora com a oportunidade de ter um projeto coordenado por mim. 


IMS – Quais efeitos e que tipo de retorno a pesquisa promove à sociedade?
DC:
O manual que está sendo desenvolvido com foco em profissionais de saúde que atuam em unidades básicas é um retorno para a sociedade. Os artigos feitos a partir da pesquisa também constituem um retorno à sociedade, na medida em que podem ser consumidos e estimular a aplicação de abordagens voltadas ao enfrentamento da obesidade infantil em unidades de saúde.