quinta-feira, maio 16, 2024
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Pesquisa do IMS propõe abordagem saudável para cesta básica brasileira

A cesta básica é pauta longeva e periódica no noticiário. Há vários anos, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística Estudos Socioeconômicos) produz levantamento mensal para mensurar o preço de um conjunto de produtos alimentícios considerados essenciais. Por trás dos números, o índice concentra relevância histórica e é um importante marcador para os debates econômicos e sociais. Desde 2015, o professor Eliseu Verly Junior (IMS) tem trabalhado em uma proposta que amplia a abordagem de monitoramento e mensuração dos preços da alimentação brasileira. A pesquisa Cesta Brasileira de Alimentos, financiada no âmbito do Projeto Jovem Cientista do Nosso Estado (Faperj), é desenvolvida no Núcleo de Epidemiologia e Biologia da Nutrição (Nebin) do Instituto de Medicina Social da UERJ. Nesta entrevista, Eliseu Verly explica a abordagem diferenciada que, aos critérios nutricionais, agrega cultura alimentar e critérios ecológicos.

IMS – O que motivou o desenvolvimento da pesquisa?
Eliseu Verly Junior – A pesquisa começou em 2015 e, inicialmente, o interesse era saber quanto custava uma alimentação que reduzisse a prevalência da ingestão inadequada de nutrientes. Mas, para zerar tal inadequação, notamos que as dietas disponíveis traziam alguns desafios e problemas. A recomendação de ingestão de nutrientes era muito grande. Quando se adota a recomendação feita em outro lugar e se tenta adaptá-la à realidade brasileira, o resultado não é dos melhores.

Dessa forma, o custo para reduzir a inadequação de nutrientes era elevado. Do ponto de vista teórico, era bacana. Entretanto, pensando em necessidades básicas, não era aplicável. A partir disso comecei a me questionar qual seria o custo mínimo possível para uma alimentação adequada do ponto de vista de um grupo de alimentos (frutas, hortaliças, cereais, leguminosas etc.). 

Minha referência foi o Decreto Lei nº 399 de 1938, que estabelece que o salário mínimo deve satisfazer as necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. É notável que a cesta básica oficial tem uma composição específica.

IMS – Que composição?
EVJ –
De vegetais, somente tomate e batata. Entre as frutas, apenas banana. Entre as carnes, um tipo de carne de primeira. Em suma, as quantidades previstas acompanharam o avanço no conhecimento sobre alimentação e nutrição nas últimas décadas. Esses aspectos não estavam contemplados na construção daquele modelo, nem na lei que está na sua origem. Também é importante destacar que, na época, a adequação nutricional do conjunto de alimentos monitorados não foi considerada. Estamos falando de um outro momento histórico, com níveis de conhecimento distintos aos que temos hoje em dia.

IMS – Então, seu projeto propõe uma espécie de atualização conceitual e contemporânea da cesta básica?
EJV –
Propomos uma outra abordagem. O Dieese está correto em adotar a metodologia usada porque o objetivo é identificar o custo que tem, para o trabalhador, a quantidade de alimento estipulada pela lei da década de 1930. Além disso, como isto é calculado há décadas, existe um rico histórico de informações sobre o peso dos alimentos no orçamento das famílias.

Acho que, partindo da cesta oficial de 1938, podemos avançar em alguns pontos. Ela é um importante norte para desdobrarmos outro olhar. Com base na pesquisa de orçamento domiciliar, que investiga no país todo o que as pessoas estão comprando de comida, assim como o preço dos itens comprados, adicionamos uma variedade maior de alimentos. Ou seja, se as famílias compram, além de tomate e batata, cenoura, pimentão, cebola, abobrinha e chuchu, tudo isso faz parte da cesta. O que reflete uma característica cultural dos padrões sociais de alimentação.

Se queremos um indicador de quanto vai custar a alimentação das famílias, temos que considerar os itens efetivamente comprados. Esses itens variam de região para região. No Norte, alguns alimentos são mais frequentes que no Sul e Sudeste. E assim entre todas as regiões. Os preços também variam conforme a região, sendo todos ou alguns itens mais baratos em uma do que em outra. Consideramos a variedade dos alimentos, a distribuição de preço pelo Brasil e, para cada local, definimos o preço dessa cesta considerando os alimentos mais frequentes e seus preços.

IMS – Quais os critérios nutricionais utilizados para definir a adequação ou inadequação dos alimentos?
EJV –
Utilizamos o Eat Lancet, dieta de referência global, que parte de uma grande e sistemática revisão de variados estudos que combinam proteção à saúde humana e preocupação ambiental. Por isso, trata-se de uma cesta que tem uma grande quantidade de frutas, hortaliças, cereais integrais e uma quantidade reduzida de carnes – sobretudo vermelha – e sal. Assim, a cesta é minimamente saudável, todos os elementos integrantes são importantes para a saúde e sustentáveis em termos ambientais. E também considera aspectos culturais que estão relacionados às variadas preferências alimentares ao longo do país.

IMS – Como é feito o cálculo?
EJV – Juntamos os preços e tiramos uma média do Brasil e por região metropolitana. O que significa, por exemplo, o valor de R$ 14 reais por dia? É o custo médio diário de uma quantidade de alimentos que um adulto deveria consumir por dia, considerando as preferências alimentares e o aspecto nutricional. Se pensarmos num indicador de algo para a saúde, a adoção de uma prática saudável teria esse custo por dia. 

IMS – Você mencionou a mensuração em regiões metropolitanas. Quais são?
EJV –
São 10 (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Grande Vitória, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), as mesmas que o IBGE utiliza para fazer a tomada de preços e calcular o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Fazemos esse monitoramento mensal desde janeiro de 2018. Conseguimos ver e acompanhar como o preço da cesta tem se comportando numa série histórica. Ele tem aumentando ano após ano, especialmente com a pandemia de Covid-19.

IMS – Qual a composição da cesta?
EJV –
A composição é ampla. São 22 frutas; 32 legumes; quatro tubérculos; cinco proteínas (carnes e ovo); nove leguminosas e cereais; e nove laticínios e oleaginosas. De processados, apenas manteiga, queijo, pão e macarrão. Esses itens foram selecionados entre os mais frequentes de cada região. A partir dos dados de compra, identificamos quais itens eram corriqueiros para assim definirmos a composição da cesta.

IMS – Quais as principais diferenças em relação à cesta oficial de 1938?
EVJ – A grande diferença é que incorpora uma variedade mais ampla de alimentos, que reflete com mais precisão o padrão de compra da população e incorpora critérios nutricionais que embasam a escolha dos alimentos. A cesta também é um importante instrumento para subsidiar políticas de alimentação ao identificar os alimentos que poderiam ter uma atenção especial para questões de tributação e incentivos para a produção. Quanto mais estes alimentos se tornarem mais acessíveis para população, maior será o consumo e, consequentemente, os benefícios para a saúde.