sábado, julho 27, 2024
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3º Seminário Estratégico Ruben Mattos: IMS olha para si, debate a pandemia e projeta o futuro

O 3º Seminário Estratégico Ruben Mattos ocorreu entre 30 de novembro e 02 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e no auditório do IMS. A programação do evento, dedicado ao professor do IMS falecido no final de 2020, abordou processos e temáticas variados que afetaram e prosseguem afetando a rotina do Instituto. Também foram debatidas propostas para aprimorar as dinâmicas de ensino, pesquisa e relacionamento entre a comunidade do IMS. 

IMS na pandemia

No dia 30, a pandemia de Covid-19 foi o assunto central, abordado em duas mesas voltadas às consequências da crise sanitária e aos desafios do retorno ao cotidiano presencial. Na mesa “Pandemia e seus efeitos na comunidade do IMS”, o professor Sérgio Carrara destacou que a Covid-19 representou um evento extremo e crítico, provocando rupturas em diversas esferas da vida e, ao mesmo tempo, agravando problemas já conhecidos. “Não podemos esquecer que houve uma grande intensificação da pobreza em um contexto que já era por si só marcado por morte e adoecimento. Olhando para a realidade do Brasil, com suas disparidades de diferentes ordens, tais como raça, gênero e território, isso significou efeitos distintos entre discentes, docentes e técnicos do IMS. Biografias foram afetadas e reconstruídas”, observou.

O Brasil é um dos países que ocupam as primeiras posições no triste ranking global de mortes por Covid-19. Desde o início da pandemia, mais de 690 mil brasileiros perderam a vida. Um quadro que não se deu por acaso, conforme ressaltou o professor Sérgio Carrara. “A pandemia foi vivida em contexto autoritário e negacionista. O negacionismo oficial nos expôs sistematicamente à morte, fomos tratados como rebanho. O trauma no Brasil foi mais intenso, nesse sentido, e nem mesmo no momento atual, em que os períodos mais agudos passaram, o negacionismo perdeu força. O luto foi e continua sendo negado. Por isso, o luto é, nas circunstâncias atuais, um ato político”.

A professora Laura Lowenkron também abordou a questão dos marcadores sociais para refletir sobre o impacto da crise sanitária no IMS. “A pandemia não é a mesma para todos os países, nem a mesma para todos dentro de um mesmo país ou da mesma cidade. Muitos dizem que estamos todos no mesmo barco, mas não é bem assim. Estamos todos passando pela mesma tempestade no mesmo mar. Mas é como se alguns estivessem em transatlânticos, outros em iates, outros em barcos a vela ou mesmo canoas”, disse, recorrendo à alusão feita pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade.

O técnico Artur Parreira, responsável pela gestão das transmissões online de eventos e bancas durante o período remoto, confirmou as dificuldades enfrentadas. “Houve momentos críticos, mas também houve aprendizado, com novos conhecimentos sendo alcançados no regime remoto. Eu achei que o trabalho em casa seria legal e dinâmico. De fato, foi, mas também foi uma rotina pesada, com muitas bancas, aulas, reuniões para auxiliar.” A respeito da participação de técnicos e funcionários nas rotinas e processos decisórios, sinalizou: “Um dos aprendizados é que é necessário ter mais diálogo e planejamento para identificar e organizar a rotina em regime remoto.”

A doutoranda Bárbara Salvaterra levou ao debate a condição de pesquisadora mãe. Ela abordou as dificuldades, barreiras e sofrimentos envolvidos na tarefa de tocar pesquisa e leituras, em contexto domiciliar e simultâneo aos processos de cuidado. A partir de questões levantadas no coletivo dos estudantes, citou alguns pontos que tornariam a vida discente menos árdua e mais estimulante. “A revisão curricular, que amplie a comunicação interdepartamental e facilite pensar a Saúde Coletiva mais amplamente; o apoio à discente mãe e cuidadora, orientada por uma ética do cuidado, que faça parte da rede de apoio e que priorize a flexibilidade institucional nos prazos; e mais incentivo à interlocução entre pesquisadores são aspectos que devem ser considerados.

O cenário político adverso e hostil foi explorado pela professora Gulnar Azevedo, ex-diretora do IMS e ex-presidenta da Abrasco. Ela ressaltou que a pandemia representou uma situação de vulnerabilidade e insegurança para todos, com elementos especificamente preocupantes para a academia e a Saúde Pública. “Vivemos o esvaziamento de financiamentos sem que o vírus tenha deixado de ser uma ameaça real. A Covid-19 não foi embora. É fundamental compreender o mundo pós-pandemia que estamos encarando. Isso é um desafio para todos, e o IMS tem que participar desse processo pensando novas questões que estão postas na sociedade: o movimento antivacina, a influência da religião, o negacionismo científico e a rapidez das informações”, observou.

IMS e o pós-pandemia 

A segunda mesa do dia 30, intitulada “Pós-pandemia/desafios do ‘retorno’ ao presencial”, contou com a participação de representantes dos professores, estudantes e técnicos. 

Silvia Regina, chefe da Secretaria de Pós-Graduação, tratou da relevância do retorno ao presencial e das dificuldades enfrentadas durante o período remoto. “O retorno gradual ao presencial foi importante para a readaptação com a rotina do Instituto. O trabalho conduzido de casa envolvia muita demanda, o que acabou afetando minha saúde mental. Sofri com ansiedade por causa do acúmulo de coisas a fazer e a dificuldade de separar o que era trabalho do que era questão doméstica. Foi muito reconfortante reconstruir o convívio cotidiano nos corredores e salas do IMS”, disse.

O doutorando Ueslei Solaterrar chamou atenção para o quadro de desigualdades exacerbadas pela pandemia. A questão racial foi especialmente considerada em sua fala. “É preciso pensar, muito mais a partir de agora, na permanência do corpo discente no IMS, levando em conta os efeitos que as violências e iniquidades estruturais têm na trajetória de vida sobretudo das pessoas negras. Essa é uma questão coletiva, do IMS inteiro, e precisa ser assim encarada e tratada para que se crie condições de permanências e processos institucionais mais equânimes”, enfatizou. De acordo com Ueslei, os obstáculos não são poucos e exigem um olhar cuidadoso para o perfil dos estudantes. “As bolsas não oferecem condições para dedicação exclusiva. O efeito dessa defasagem acaba sendo mais pesado sobre determinados estudantes. Outro aspecto a não se perder é o trauma, depois de tudo que vivemos nos últimos anos. Que lugar daremos ao trauma? Ao luto, às emoções? Que isso não seja visto como uma questão pessoal, mas sim coletiva e que englobe todos”, finalizou, indicando que a discussão sobre a implementação de formato híbrido para as aulas seja uma pauta do pós-pandemia.

Homenagens aos aposentados

No último dia, o professor George Kornis e a técnica Ana Silvia Gesteira, que se aposentaram em 2022, foram homenageados. O professor Kornis falou sobre sua experiência de quase 40 anos de casa, relembrou histórias pessoais e foi tema de um texto escrito pela colega Rosângela Caetano. Em sua fala, o professor ressaltou a importância da rede de segurança social brasileira, da centralidade do SUS para a cidadania e fez duras críticas aos últimos quatro anos de gestão do governo federal, marcados por ataques aos avanços e direitos consagrados na área da saúde desde a redemocratização.

Ana Silvia foi celebrada pelo seu papel na sustentação e no apoio, desempenhado com vigor e sensibilidade, das inúmeras atribuições cotidianas ao longo dos mais de 30 anos em que trabalhou no IMS. Ela também foi tema de apresentação de Elir Ferrari, secretário da Direção, amigo de trabalho por décadas.